sexta-feira, fevereiro 18, 2011

Saber renunciar aos porquês!

- Chiu! - fez ele, misterioso, de dedo nos lábios. - Eu sei que é muito tarde, Théo. Mas estás com dificuldade de adormecer esta noite não estás?
- Como é que sabes? - espantou-se Théo, erguendo-se.
- Estive a observar-te, meu filho - disse o xeque. - Quando deixares de te atormentar à noite, terás percorrido metade do caminho. Posso sentar-me um bocadinho?
E, sem esperar pela resposta, instalou-se na cadeira.
- Contaram-te tantas coisas em dois dias, Théo... - começou ele. - E falaram-te tão pouco de Deus!
- E então... - suspirou Théo.
- Tão pouco e tão mal - disse gravemente o xeque, ajeitando as pregas da túnica. - Esquece os furores, esquece as guerras e os massacres, e vê aquilo que nos une. Temos apenas um único Deus, e ele falou-nos. Porque ele fala a Abrão, Moisés, Jesus ou Maomé, Deus dirigiu-se aos homens através de mensageiros. É claro que cada um tem o seu feitio. Moisés tinha fúrias, Jesus era bondoso, e Maomé possuía o sentido de justiça...
- Maomé, sentido de justiça? - atalhou Théo.
- Já calculava - suspirou o xeque. - No teu país, o Islão não é compreendido, e depois os meus dois amigos tinham tantas coisas para te dizer... Eu preferi escutar-te. E escutei a tua revolta, que não te ajudará a adormecer. Deixa-me falar-te de novo de Maomé.
- Mas já me contaste!
- Maomé assemelhava-se aos seus antecessores: procurava unir Deus e os homens com regras simples. Moisés ouviu Deus ditar-lhe as Tábuas da Lei, Jesus pregou a Boa Nova contida nos Evangelhos e o Anjo Gabriel ditou o Corão a Maomé. Moisés trouxe a ideia de lei, Jesus a de caridade, e Maomé a ideia de justiça. Para todos, Deus é Amor.
- Porquê falares-me disso agora? - murmurou Théo.
- Para te reconciliar com todos nós, meu filho - disse o xeque.- Para sossegar essa cabeçinha que nunca pára de objectar. Não penses que eu quero impedir-te de pensar. Mas o mal que te corrói pode desaparecer, Théo. Não te peço que acredites em Deus, não seria isso que te curaria. Simplesmente, fica sabendo que também tu és uma parcela de divindidade. O alento está em ti como em cada um de nós, Théo... Procura o caminho. Descobre o alento.
- Está bem - disse Théo. - Mas porquê?
- É preciso, de vez em quando, saber renunciar ao - disse o xeque. - Já não estás na idade das eternas perguntas, já não tens cinco anos! Sossega. Para encontrares alento, tens de te entregar. De te entregar, Théo! Senão, não te curas.
- Achas? - murmurou Théo, assustado.
- Num lugar qualquer do mundo, um de nós há-de curar-te, tenho a certeza - disse o xeque subindo o tom de voz. - O teu mal partirá para o sítio onde veio, trazido por um génio mau. Mas se resistes com porquês, então nenhum de nós poderá salvar-te. Só te peço que acredites no alento, mais nada.
- No alento? - espantou-se Théo. - O que é que isso quer dizer?
- Mais uma pergunta! - disse o xeque com autoridade. - Será que aceitas, desta vez, obedecer-me sem perguntar nada?
- Aceito - respondeu Théo sem hesitar.
Então fechando os olhos, o xeque pousou as mãos no peito de Théo. Daí a um bocadinho, um calor desconhecido invadiu as costas de Théo, a sensação de uma toalha quente depois de um banho de mar, o sol das praias da Grécia, a suavidade da face de Fatou... Adormeceu.
- Louvado seja o Todo-Poderoso - murmurou o xeque, levantando-se. - Havemos de te salvar, Théo. Nunca o esqueças.
E saiu em bicos de pés, aliviado." in a viagem de Theo

2 comentários:

M.J. disse...

gosto muito!

Anónimo disse...

gostei muito mesmo!
continua a história...

bjinhos

mary